26 de outubro de 2009

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Deus pode ser "vingativo, arbitrário, egoísta", os Livros podem conter "destruição, tirania, carnificina". Nestas discussões entre os blocos ateu e crente, os primeiros geralmente argumentam aceitando o pressuposto básico dos segundos, o mesmo em que baseiam a não crença.

A maioria dos ateus satura a própria argumentação tentando apontar falácias às qualidades da entidade que afirma não existir. Como se fizesse sentido alguém dizer: acreditas na existência de minotauros e dizes que eles são simpáticos. Eu não acredito em minotauros. Para debater a questão, vou demonstrar-te por que razões lógicas a simpatia dos minotauros é uma impossibilidade. E é mesmo aqui, logo à partida, que o ateu fica numa ilha; porque se coloca, de mão beijada, no infinito espaço do mistério divino. Uma ilha infinita, mas uma ilha. Como é que o Homem pode presumir saber se cada um daqueles episódios mais escabrosos da bíblia não terão salvo a humanidade? Os caminhos divinos são, por defeito, insondáveis. Por aí: 10, 20, milhões a zero para Deus. O crente não se importa nada de estar enganado quanto às qualidades (características) divinas. Errar é humano. O crente só sabe que Ele existe, o resto são interpretações. Como, quando, por que faz o que faz, ultrapassam-no de cebolada - mais uma prova (a prova) da Sua grandeza.

O grande problema é que, sem essa esgrima lateral, não há debate possível. É aí que termina a conversa, por causa de um corte intransponível. Uma saída para o auto-questionamento - Deus não existe - colide com outra saída para o auto-questionamento - Deus existe. A primeira resulta do desenvolvimento de um potencial para o raciocínio, a segunda resulta de camadas que devem remontar aos primórdios daquilo  que veio a ser o Sapiens. Ambas in-prováveis. Por aqui se percebe como a analogia psicanálise / arqueologia falha: as camadas primordiais, no Homem, estão activas e constituem-no na actualidade.

Deus é muito sedutor (lá estou eu...). É extraordinariamente fácil embarcar-se em cenários 'e se', por não poder evitar-se o desamparo, constitucional cá da espécie. Tudo é relativo a Ele e ao seu negativo. Só um humano que nunca tivesse sido criança (literalmente) poderia ficar-lhe indiferente. Deus é o personagem perfeito, por nascer e morrer com o Homem, com cada homem. Não precisa de ser lembrado, apenas organizado e distribuído. Cada homem carrega, como explicaram Steiner ou Freud, a nostalgia do absoluto, da morte vivendo. A total ausência da falha e do desejo. Deus numa casca de nós.