1 de maio de 2009

Da aflição narcísico-melancólica do artistola

" Ele não trabalhava como alguém que trabalha para viver, mas sim como alguém que não quer senão trabalhar, porque como ser vivo não se considera nada, apenas lhe interessa ser tido como criador e por tudo o resto passa despercebido e discreto, como um actor sem caracterização, que não é nada se não tem nada para representar. Ele trabalhava em silêncio, fechado, invisível e cheio de desprezo para com os pequenos artistas para quem o talento era um adorno social, aqueles que, fossem pobres ou ricos, andavam sujos e esfarrapados ou que praticavam o luxo com as suas gravatas fora do normal, se preocupavam principalmente em viver felizes, amados e artisticamente, ignorando que as grandes obras só surgem sob a pressão de uma vida dura, que aquele que vive não trabalha e que é necessário estar morto para se ser de facto um criador.

(...)

Um artista de verdade, não um desses cuja profissão burguesa é a arte, mas sim um predestinado e amaldiçoado, detecta-se facilmente com um olhar pouco agudo por entre uma multidão. O sentimento da separação e o facto de não pertencer a parte alguma, o sentir-se reconhecido e observado, algo de ao mesmo tempo majestoso e embaraçado está patente no seu rosto. Nos traços de um príncipe que à paisana avança por entre uma multidão pode-se observar algo de semelhante. "

Thomas Mann (Tonio Kröger, 1903)