3 de novembro de 2007

Querer saber

Como (bem) explica Vasco Pulido Valente no Público de hoje, "o sistema de ensino tende a 'reproduzir' e não a 'corrigir' a hierarquia social". A utópica e reivindicada «igualdade» como produto da escola ideal esbarra constantemente no real, essa categoria tirânica. Começa agora a impor-se como evidente a incapacidade do estado, pelos métodos tradicionais, para homogeneizar as oportunidades. O problema é que a escola chega tarde. Chega aos 6 anos de idade e para trás vão muitos mais do que seis, vão os anos das gerações familiares e das suas condições de vida que, salvo alguns rasgos, tendem a perpetuar-se. Famílias com algum poder (económico, social, cultural, etc.) conseguem proporcionar melhores oportunidades aos filhos porque elas próprias já as tiveram e aproveitaram.

A única possibilidade de esbater o fosso entre as oportunidades passa por alterar mentalidades. Razões históricas (onde quase tudo pode ser encaixado) tratam de modelar o português, em algumas das suas características. O corte epistemológico ainda é tarefa colectiva, porque o homem é egoísta por defeito. A sobrevivência colectiva protege o indivíduo, mas a sobrevivência individual é mais básica. Não há colectivo sem indivíduos. As discussões sobre a qualidade do ensino secundário e superior são inócuas, invertem a ordem natural das coisas, fazem chover no molhado. A única hipótese é subir o nível dos escalões socio-económicos baixos e médios (a revolta contra os mais ricos é primária e invejosa), e isso só é possível com mais e melhores competências individuais. Já para não falar do momento que se segue ao nascimento, onde tudo deveria começar, passemos directamente aos jardins de infância: é aí, no ensino pré-primário e na escola primária que quase tudo se decide. É aí que reside a mais importante porta de entrada para alterar mentalidades herdadas, o resto sucede-lhe. As palavras-chave são curiosidade e epistemofilia. Desejar, precisar de conhecer e de saber. A perfeita antítese da narcolepsia instalada. Sem isso, nada feito.