16 de outubro de 2007

Gore (after the Braindead)

Devia ganhar o Gore. Antes disso devia candidatar-se, claro - não estou a insinuar que alguma vez as eleições americanas possam basear-se num processo dúbio, isso seria impensável e zimbabweiano. Mas devia ganhar o Gore. Uma pena para Obama, o mais pintarolas dos candidatos que este planeta já viu mas que, desconfio, seria engolido por Washington em 3.5 ou, vá lá, 4 tempos. Já o Gore: desempenhou papel central no desenvolvimento da internet (a maior aproximação de sempre ao ideal de Babel); desatinou abertamente com a guerra do Iraque e restante chacina da constituição americana pela administração Bush; anda desde a morte do último dinossauro a armar-se em Cassandra das alterações climáticas, causas e consequências, o que culminou num Nobel, nada de realmente especial mas muitíssimo relevante, como passo a explicar. O desejo de ter Gore à frente dos EUA (para nosso governo, portanto) não tem, porém, nada a ver com cada uma destas empreitadas, per se - se não tivesse sido ele, alguém o teria feito. A questão é que a sua imagem e essência públicas estão de tal forma expostas que lhe seria intimamente catastrófico assobiar para o lado, dar ditos por não ditos, ignorar tudo isto. A questão das alterações climáticas, por exemplo, tem ramificações e implicações radicais em quase tudo. Basta pensar na dependência energética de combustíveis fósseis e as associações de ideias explodem como pipelines em Kirkuk. Se Gore assobiasse para o lado, morria. Matava-se. Matavam-no. Gore é refém de si próprio e tem obrigatoriamente de levar a personagem até à cova, porque o seu grau de envolvimento não permite grande spin. Ao contrário da maioria dos governantes, moralmente hipócritas e caracteriologicamente dissociativos. No Japão teria sempre o harakiri. No ocidente restar-lhe-ia o desmembramento mental. Uma chatice.